domingo, 8 de maio de 2011

- às vezes ( ... )



Às vezes é preciso aprender a perder , a ouvir e não responder , a falar sem nada dizer , a esconder o que mais queremos mostrar , a dar sem receber , sem cobrar , sem reclamar . Às vezes é preciso respirar fundo e esperar que o tempo nos indique o momento certo para falar e então alinhar as ideias , usar a cabeça e esquecer o coração , dizer tudo o que se tem para dizer , não ter medo de dizer não , não esquecer nenhuma ideia , nenhum pormenor , deixar tudo bem claro em cima da mesa para que não restem dúvidas e não duvidar nunca daquilo que estamos a fazer .
E mesmo que a voz trema por dentro , há que fazê-la sair firme e serena , e mesmo que se oiça o coração bater desordeiramente fora do peito é preciso domá-lo , acalmá-lo , ordenar-lhe que bata mais devagar e faça menos alarido , e esperar , esperar que ele obedeça , que se esqueça , apagar-lhe a memória , o desejo , a saudade , a vontade .
Às vezes , é preciso partir antes do tempo , dizer : aquilo que mais se teme dizer , arrumar a casa e a cabeça , limpar a alma e prepará-la para um futuro incerto , acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto , apertar as mãos uma contra a outra e rezar a um Deus qualquer que nos dê força e serenidade . Pensar que o tempo está a nosso favor , que a vontade de mudar é sempre mais forte , que o destino e as circunstâncias se encarregarão de atenuar a nossa dor e de a transformar numa recordação ténue e fechada num passado sem retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim .
Às vezes mais vale desistir do que insistir , esquecer do que querer , arrumar do que cultivar , anular do que desejar . No ar ficará para sempre a dúvida se fizémos bem , mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito . Somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil , mais simples , mais leve , melhor .
Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução , deitar tudo a baixo para voltar a construir do zero , bater com a porta e apanhar o último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás , abrir a janela e jogar tudo borda-fora , queimar cartas e fotografias , esquecer a voz e o cheiro , as mãos e a cor da pele , apagar a memória sem medo de a perder para sempre , esquecer tudo , cada momento , cada minuto , cada passo e cada palavra , cada promessa e cada desilusão , atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora , ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo .
Às vezes é preciso saber renunciar , não aceitar , não cooperar , não ouvir nem contemporizar , não pedir nem dar , não aceitar sem participar , sair pela porta da frente sem a fechar , pedir silêncio , paz e sossego , sem dor , sem tristeza e sem medo de partir . E partir para outro mundo , para outro lugar , mesmo quando o que mais queremos é ficar , permanecer , construir , investir , amar .
Porque quem parte é quem sabe para onde vai , quem escolhe o seu caminho e mesmo que não haja caminho porque o caminho se faz a andar , o sol , o vento , o céu e o cheiro do mar são os nossos guias , a única companhia , a certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira . Quem fica , fica a ver , a pensar , a meditar , a lembrar . Até se conformar e um dia então esquecer .

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